terça-feira, 18 de outubro de 2011

Parou junto a porta antes mesmo de entrar e observou a sala invadida de cotidiano.
Onde esteve em todo aquele tempo? A irmã que se parecia com ele, agora tinha ares de uma Anna Paquin com quase 30, o aquário bem cuidado lhe causou ainda mais surpresa que as rugas adquiridas pela mãe, a aristocracia dos sapatos do pai continuava a mesma, assim como os porta-retratos da mesinha gasta. A empregada, agora surda, só conseguia ouvir o papagaio que não lentava voo, por mas que não se importasse em cortar as suas asas.

Intergaláctico, atravessou os cômodos até chegar ao quarto que havia montado, um dia, na adolescência prolongada pensando que em uma noite qualquer de outubro, sumiria e levaria tudo para montar uma casa bem longe.
Fracassou.

Desde o fracasso inicial, mudou. Não foi uma decisão ou algo que ele compreendesse no seu íntimo. Foi um abarrotamento no peito, na parte de dentro da carne que interferia na sua voz, no seu andar, no modo como o cabelo antes liso, começou a fazer ondas tão capazes de calmarias durante o jantar de domingo quanto de tempestades nos corações alheios.
Não durava.

A intermitência dessas febres lhe causava horas de sono sem sonhos e quando acordava, não conseguia participar da realidade das gentes e passava os dias num ato paralelo.
Por conta desse abarrotamento inconsciente que lhe causava um estranhamento das coisas, vivia aquém dos sentimentos.

Quando morreu o senhor seu padrinho, só soube no outro dia, quando chegou sorrindo, depois de ter tido o coração partido durante um picnic.
- Babe, au revoir - Ainda foi capaz de dizer; e os olhos de mercúrio ascenderam num sorriso constante de deus e de diabo. Durante o luto, manteve o sorriso que pasmou as tias mais distantes.
Anos depois, no dia em que chegou da rua numas de liberdade que nem ele entendia e se deparou com a família esquecida na sala, depois de ter atravessado os cômodos cobertos de lembranças anteriores ao fracasso e ter deitado na cama, ali mesmo e não tão longe, ele percebeu que todos os seus sonhos de distancia terminavam sempre ali, se acumulando em seu peito, abotoado a ele pesando-lhe a alma no corpo tão leve.
Conseguiu chorar, um choro sentido de nascimento, sem som, engasgado.
Chorou com saudade da menina do picnic e de tantas outras que não foi capaz de amar, chorou o padrinho morto e a velhice das tias, chorou o fim dos tempos daqui até a irlanda nunca vista, chorou sem choro só com a água que já lhe atingia a cintura; salgada como as ondas que lhe molhavam os ombros e deixavam os pés intactos na areia nas manhãs na praia.
Na sala, video game e afagos. Ninguém mais lembrava dele.

- Querido, você voltou!

Era a empregada surda que escutara o pranto da cozinha.


sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Désespoir


Diásporas, gangorras, tudo querendo sangrar
Nesse canavial enorme que é meu peito
De onde os pássaros migraram na sexta-feira sem paixão

- Désespoir...

Eu ouvi rasgando o céu jacinto
Enquanto caminhei as léguas da tua distância incauta
O olhar de barro dizendo 'babe, au revoir'
Na minha cara de cão, de nostalgie

- Désespoir...

Quando a estrada consumiu meu sono
E o choro que não veio espantou os touros
Aterrissei a vista na derradeira curva
A tempo de ver teu passo
Recortar o tempo

- Désespoir... e agora tudo em seu devido lugar.