segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Era uma sexta feira como outra qualquer.
Não, minto.
Poderia ser uma sexta feira como qualquer outra no mundo, não fosse o fato dela anteceder aquelas horas de sábado que estavam por vir: Estela iria sozinha pela primeira vez a um baile de carnaval. Mas ela ainda não sabia disso.
Já era noite e o clima estava ameno como a recordação das férias antigas no sertão, num verão antigo onde a única memória que fica é a das nuvens passando branquissimas pela cabeça das carnaubeiras.
Pensando bem, essa era outra coisa que distinguia aquela sexta-feira das outras.
A moça olha as horas no relógio de pulso, já são onze da noite descontando os dez minutos que ela adianta nas horas para o despertar nas manhãs, dez minutos esses que ela considera necessário para que se desfaça o sonho antes de levantar.
Ela sorri enquanto a heroina sofre em vão em algum filme da moda, mas desiste do final sem saber se o mocinho chegará para salva-la. Desliga a TV, mas antes de deitar-se arruma os frascos na penteadeira orgulhando-se da sua propria organização.
Deitada na cama, faz uma lista imaginária de coisas a fazer: Precisa comprar lenços e beijar alguém que realmente valha a pena, alguém a quem ela possa contar suas histórias de hoje e as antigas, a dos verões no sertão onde para ela só ficou a lembrança boa do vento.
Na sua lista imaginária, coloca a compra dos lenços como tarefa mais importante a ser comprida. Sorri e sorri ainda mais quando pensa em incluir "pintas as unhas da cor da estação".
Naquela noite ela se sente bonita e leve como a folha que de desprende da árvore e é lembrada apenas pelo vento que sopra sem abandono, sem deixa-la para trás, assim como caso de amor esquecido por todos menos por quem ainda ama. Estela sente-se a amante do vento.
Enquanto dorme é observada por uma estrela como um ponto minúsculo no quarteirão enquanto a bailarina de porcelana na estante, sente inveja do seu tamanho grandioso de gigante.
O sono de Estela sendo observado obsessivamente, confirma a relatividade das coisas sem que ela perceba.
Naquela noite, ela sonhou, mas quando viveu os dez minutos adiantados no relógio e levantou, já tinha se esquecido e só restava cotidiano.
Na dúvida se era realmente feliz ou se só havia conformação, deixou-se seguir, deslizando pelo dia até receber uma ligação. Era a amiga, a alta, a que tinha voz altiva de salto alto. Era dela que partia o convite para baile de pré carnaval e enquanto Estela tinha todos os motivos para dizer "não" disse "sim".
Ao desligar o telefone, não pensou mais na festa só relembrando do encontro com a amiga já quase na hora marcada. Vestiu-se modestamente e partiu com um certo enfado.
A rua ja estava coberta de gente que mais parecia serpentina que gente mesmo, não era o lugar onde gostaria de estar, se perguntou porque não conseguia dizer "não" a aquela amiga e enquanto buscava uma resposta satisfatória para a sua própria pergunta o tempo passou e a amiga, que tinha comprado uma fantasia de rock star, não chegou.
Estela, descolorida que estava, contradizendo todas as possibilidades, agarrou-se na alça da bolsa e caminhou com a multidão até entrar no baile.
A moça adquiriu dentro de si uma força de muralha, observava a alegria das pessoas sem entender muito bem, comparando a desespero, sentia-se sendo testada afastando-se da natural vontade de ser inquisidora.
Piscou os olhos diante dos exageros de luz, concordando unicamente como o exagero do si, do ser. Seus olhos eram lagoa profunda, ilha desabitada, botão de flor por trás das armações escuras e um pouco de miopia.
Ela passou, então, pelo paredão de gente e sentou-se no banco alto perto do bar, pediu um soda mas trocou por gin.

Fadas, piratas, havaianas, gueixas, astronautas e um príncipe que chegou perto dela e disse

- Você não esta fantasiada, moça.

Ela o olhou rapidamente de cima a baixo. Capa, coroa, barba de três dias, dentes de quem fuma e cabelo no gel. Abriu a bolsa e conferiu: Tinha comprado os lenços.

-É, e nem você.

Naquele noite, naquele sábado sozinha no baile, Estela contou ao príncipe as histórias da sua infância e ouviu as dele. Marcaram um cinema no meio da semana e choraram juntos na cena mais bonita. Ela não sabe se a amiga chegou a usar a fantasia de rock star, mas agora tem certeza que esta feliz e que os dias que anunciam a felicidade são iguais a quaquer outro.

Estela e o príncipe não gostam de carnaval.


Leia ouvindo: http://www.youtube.com/watch?v=mq_S2vy0qwc

3 comentários:

  1. Engasgada é bem a palavra.

    Sempre quis que alguém escrevesse para mim.....


    Enquanto lia esse conto e brigava com o meu pulmão para ele me manter viva pelo menos até eu o ler todo....me arrependi várias vezes de ter desejado isso.....

    Para uma virginiana com ascendência em libra (o cúmulo da descrição) não é a coisa mais interessante do mundo se sentir nua.

    Pois foi bem assim que me senti.
    Desnuda.
    Revelada.
    Transparente.
    Água-viva....



    Se eu gostei, Diego?!


    Não me resta dúvida que vc sabe a resposta.


    Gratidão é uma palavra fraca.

    Beijo e Abraço com maiúsculas.

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  2. coisa linda de se ler... Estela, estrela, brilha mais alto agora.

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  3. Gostei muito Diego! Excelente texto, com a trilha sonora, vira uma grande experiência de final de tarde de um dia igual aos outros. Não! Mais do que isso, talvez esteja enganada e seja um dia que anuncie felicidade...

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